O Sentimento e a Razão
Contradizendo tudo o que minha Razão me direciona a fazer, meu Sentimento insiste em querer mais uma chance. E minha Razão pergunta para meu Sentimento:
- Rapaz, você não está cansado de sofrer? Será que você não ver que isso não tem o menor futuro?
E o Sentimento diz:
-Mas eu mudei e eu acho que era só isso que faltava.
A Razão insiste, tentando ajudar aquele bom Sentimento.
-Você está esquecendo o principal, meu amigo, a mudança cabia a você, mas para que dê certo vai depender dos dois, não tem porque só você fazer por onde.
O Sentimento não desiste.
- Mas eu tenho que passar por isso, afinal eu mereço, lembra-se de tudo que eu fiz?
A Razão retruca:
- Todos nós cometemos erros, meu amigo, ela já deve ter cometido os dela. Ou você acha que ela perfeita...
O Sentimento completa:
- Ela é perfeita para mim...
Mas a Razão não o deixa continuar.
- Ninguém é perfeito e ninguém pode passar o resto da vida lhe condenando e brincando com você.
O Sentimento reflete um pouco, e diz:
- Nesse ponto você tem razão, Razão.
- Eu sempre tenho razão. – Diz ela com certo tom prepotente. Então o Sentimento completa:
- Mas você não a conhece como eu conheço, Razão. Ela não seria tão cruel a este ponto.
- Mas você mesmo disse que tinha feito muitas besteiras com ela. Até concordo com você e acho que ela não faz por crueldade. Mas eu lhe pergunto, você acha que ela terá coragem de passar por cima de tudo e de todos e reassumir alguma coisa com você? Afinal, têm feridas que não se fecham. Como você acha que está a ferida que você deixou nela? – instiga a Razão. O Sentimento fala com um tom de tristeza.
- Ainda está aberta, Razão. E, durante este ano que passamos, até achei que ela se fecharia, pois deu alguns sinais de melhora. Mas, “volta e meia”, ela sangra de novo.
- Você a continua fazendo sangrar? – pergunta a Razão.
- Não mesmo, e você sabe disso. O problema é que ela ainda é insegura, por causa do passado. Então, quando estamos juntos, estamos bem, mas com o tempo fica um inferno – responde o Sentimento. A Razão faz uma pergunta retórica:
- E você pode mudar o passado?
- Infelizmente não. – o Sentimento se lamenta.
A Razão percebe o descontentamento do Sentimento, mas não tem compaixão, afinal ela é a Razão, e continua o diálogo, agora tentando aconselhá-lo:
- Você não acha que está perdendo tempo demais com uma coisa que você, sequer, tem a perspectiva de voltar a ser como um casal de verdade? Ela já te falou alguma vez que está disposta a tentar de verdade, a assumir um compromisso ou a te encorajar a você ficar com ela?
- Não, pelo contrário, ela sempre me diz que nunca irá me perdoar... – o Sentimento começa a chorar. A Razão não tem pena.
- Então, rapaz, você é um ótimo sentimento, verdadeiro, puro, enorme. Você não acha que merece mais? O que mais você está esperando? Que outra coisa ela precisa te dizer para te convencer de que não quer mais te ter como homem. Ela não confia mais em você, tem raiva de tudo o que você fez, de quão fraco você foi, da humilhação que ela passou, ela não te admira mais, não te dá o carinho que você merece, muitas vezes é indiferente com você, tem coisa pior que a indiferença? – neste momento o Sentimento se sente o menor de todos os sentimentos. E a Razão continua. – Olhe bem para você, olhe como ficou, você quase não existe agora. Você precisa de alguém para te colocar para cima, de alguém que te faça esquecer tudo que passou, e não que fique te lembrando a cada conversa os erros do passado. Alguém que te admire, que te respeite, que te ame e que te faça sentir homem de novo. Você se sente um homem agora? – a Razão não o deixa responder e continua – você é um homem! E se alguém não te faz se sentir assim no pior momento da sua vida é porque, talvez, essa pessoa só queira desfrutar dos melhores...
O Sentimento interrompe:
- Eu sei que você tem razão, Razão, mas existe uma grande diferença entre mim e você. Sabe qual é?
A Razão, que pensa tudo saber, fica curiosa por causa da ausência de resposta, e logo pergunta:
- Qual a diferença?
- É que eu sei o que é ter razão, mas você não sabe o que é o sentimento, você nunca amou. Eu já amei e amo, e para o amor não existe fórmulas, teorias ou qualquer tentativa de explicação. Quem ama simplesmente ama. Amar é aceitar, perdoar, entregar-se, assim como eu faço – o Sentimento percebe que a Razão quer interromper, mas não deixa, e fala com os olhos cheios d’água – e não me importa se ela não está me aceitando, se ela não me perdoa, se ela está me testando, ou seja lá o que ela estiver fazendo. Eu não posso fazer a parte dela, só faço a minha, e a minha parte é amá-la, amá-la e amá-la. Sei que tenho sofrido mais do que aproveitado. Não sofro só com a ausência dela, sofro mais com as falsas acusações sobre meu comportamento e meu caráter. E você sabe, Razão, que o meu amor é imenso mesmo, se estende a todos os meus relacionamentos, e eu sofro por ela não enxergar isso como uma qualidade. Sofro por ela querer mudar o que tem de melhor em mim. E o meu maior sofrimento é ter perdido uma grande parte do amor que ela sentia por mim, se não perdi todo.
A Razão chama o Sentimento para eles continuarem a conversa caminhando juntos, pois assim seria melhor, um complementaria o outro. Mas o Sentimento insiste em andar sozinho, longe da Razão, pois ela tem sido uma péssima influência para o desmedido amor do Sentimento. E assim segue o Sentimento, por uma estrada que não sabemos o tamanho nem os obstáculos, mas ele segue só, na esperança de encontrar quem ele perdeu um dia.
Rafael de Castro
